terça-feira, 5 de maio de 2009

SERÁ QUE...?

Será que temos o “direito” de estarmos tristes ? Será que não devíamos agradecer tudo o que temos e dar menos valor a insignificâncias ?

GRIPE SUÍNA - GRIPE A - GRIPE MEXICANA

Doutor e agregado em Medicina (Microbiologia)

A GRIPE
Provávelmente só porque é fim de semana é que os meus amigos, conhecendo-me como virologista, ainda não me questionaram sobre a gripe "suína". Infelizmente, o termo é errado. No caso da gripe aviária que apareceu há poucos anos, houve infecção de algumas centenas de humanos, mas sem que o vírus pudesse passar desses humanos a outros.

Agora é diferente. De suína, esta gripe só tem a origem. De facto, ela é bem humana. Na história da gripe, o aparecimento das grandes epidemias mundiais (pandemias) foi quase sempre por adaptação ao homem de vírus suínos da gripe. Por isto, as expectativas em relação ao vírus aviário H5N1 (sigla que identifica os dois principais antigénios do vírus, e que definem se temos ou não imunidade contra ele) eram a de, com alguma probabilidade, na situação do Extremo Oriente de grande concentração conjunta de aves, porcos e humanos, o vírus aviário H5N1 passar para o porco e deste para o homem, adquirindo capacidade de transmissão homem a homem.

Afinal, como tantas vezes acontece na emergência de novos vírus, a situação foi surpreendentemente diferente. O que aparece é um novo vírus humano - insisto, humano, transmissível de homem a homem - com origem no porco mas no outro lado do globo, no México. Também não é um H5N1 e por isto, como eu e muitos escrevemos na altura, era tolice investir em vacinas contra um vírus que ninguém sabia o que viria a ser - mas sim um H1N1, desaparecido da história da virologia há quase um século. Foi o tipo de vírus que causou a terrível pandemia de 1918, a espanhola, que matou mais gente na Europa do que a guerra mundial que tinha terminado pouco antes. É certo que tem havido, nos últimos invernos, algumas infecções com H1N1, mas não é o tipo hoje mais vulgar e nada garante que o novo vírus seja neutralizado por vacinação com os últimos H1N1 circulantes.

Hoje, os dados oficiais mexicanos revelam cerca de 1300 infectados com 81 mortes, uma taxa de letalidade já considerável. Também já há casos nos EUA. O que significa isto? Não quero ser alarmista, mas os meus leitores têm o direito ao que de mais objectivo eu, especialista, possa dizer.

Considero uma situação muito preocupante, porque estamos perante condições muito diferentes do que eram as tradicionais na emergência de novas pandemias de gripe. A sua origem não é em zonas rurais da Ásia mas sim numa área metropolitana de 20 milhões de pessoas, em estreito contacto favorecedor de transmissão por via respiratória. Em segundo lugar, os vírus hoje viajam de avião. Finalmente, como disse atrás, trata-se de um tipo de vírus contra o qual há dezenas de anos que não há qualquer resistência imune nem há vacinas rapidamente disponíveis.

Que fazer, em Portugal? Para já, a nível individual, nada. A nível das autoridades de saúde, vigilância, controlo a nível de medicina das viagens, planeamento desde já de condições de hospitalização e isolamento de milhares de possíveis doentes (atenção, vai ser a esta escala, transformando a FIL em hospital). O que faria agora eu, como indivíduo? Obviamente, cancelar qualquer viagem marcada para o México ou para o sul dos EUA. Informar-me junto do meu médico sobre todos os sinais de alerta, os sintomas da gripe, que muita gente confunde com os de uma vulgar constipação. Se começar a haver casos em Portugal, usar máscara, deixar de frequentar locais com muita gente, isolar em casa, como prisioneiros, os nossos pais septuagenários. E, se a religião ajuda, rezar frequentemente.

Mas também ter em conta que o mesmo progresso e actual modo de vida que nos vai trazer o vírus de avião também vai permitir o diagnóstico muito precoce da doença, a produção limitada mas razoável de medicamentos e de vacinas.

P. S. - Já imagino o que vai haver por aí de pânico em relação ao consumo de carne de porco! Mesmo que a gripe fosse suína, não era pela carne que se transmitiria. Mas, como chamei a atenção, "suína" é neste caso uma referência enganosa, tem a ver só com a origem. Quem a vai ter são os humanos, não os pobres suínos

quinta-feira, 23 de abril de 2009

XUTOS E PONTAPÉS - O novo álbum

Editado na segunda-feira da semana passada, o novo álbum dos Xutos & Pontapés, entrou directamente para o primeiro lugar do top nacional por vendas na ordem das cinco mil unidades. O álbum tem sido comentado nos últimos dias pelo facto de conter uma canção, “Sem eira nem beira”, com uma letra que tem sido transformada num manifesto crítico ao primeiro-ministro José Sócrates. (PUBLICO on line 15.04.2009 - 17h00)


quinta-feira, 16 de abril de 2009

A sabedoria de Eça de Queirós

Em 1879, Eça redige de um fôlego "O Conde d'Abranhos", que apenas seria postumamente publicado (1925) e que constitui a sua mais contundente crítica romanceada da intriga política constitucional. (O editor chegou a propor que se publicasse sem indicação de autoria.) É o romance que mais directamente corresponde à crítica institucional das primeiras 'Farpas': concentra de um modo particularmente sarcástico um conjunto de traços satíricos que, diversamente doseados, se distribuirão noutras obras por vários figurantes do carreirismo político ou burocrático.» (A. J. Saraiva e Óscar Lopes, em " História da Literatura Portuguesa")

Embora este não seja um romance convencional, a sua leitura é sempre aconselhável pela sua actualidade constante.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O SACO AZUL

por Luísa Ramos

O saco azul continha uma lufada de ar fresco. Daniel passava com ele pela várzea, julgando que levava lá dentro milho para as mais de setenta galinhas pertença da capoeira de sua mãe, mas era falso. O que ele transportava era aquele pó branco, mortífero que o Dr. Sócrates, o médico da aldeia lhe pedira que levasse até ao alçapão da quinta.
Daniel transpôs a cerca eram precisamente 19 horas. A tarde era de um Agosto quente e o rapaz sentia-se em simbiose com a natureza: feliz, radiante talvez, por ter sido capaz de trazer até ali, aquele saco azul com tanta comida para muitos dias. Agora na sua capoeira - e por graça do senhor doutor - as aves não teriam mais fome, pensava extasiado! Entrou no alpendre fronteiriço à casa e percebeu que estava só, porque as janelas estavam encerradas e as duas portas de acesso ao interior tinham o ferrolho passado.
Semi preocupado, clamou pela mãe que não o atendeu, e com aquele terror próprio do receio foi devagar até ao sótão, pois urgia colocar lá o que trouxera de véspera da cidade grande. A entrada naquele quase labirinto foi feliz, porque como estava tudo limpo, à imagem da alma de sua mãe, rápida foi a abertura do saco; todavia o espanto de Daniel não poderia ter sido maior, quando constatou, que o milho estaria só nos seus sonhos e nos seus pensamentos de homem bucólico, ingénuo e simples, e que aquele senhor se atrevera a gozá-lo, ofertando-lhe farinha que, nenhuma falta já fazia, agora que os fritos de Natal já haviam passado.

Preocupado, Daniel tirava com jeito os sacos pequenos para não entornar o produto, quando foi surpreendido por uma voz forte, grossa, feroz «... larga bandido... polícia... estás detido.» A perplexão foi rainha e o terror tomou conta de si.
Desesperado gritava que não havia roubado a farinha, que havia sido um doutor, um senhor rico da aldeia a pedir-lhe que a fosse buscar à cidade grande, dizendo que depois fariam a distribuição pela sua casa e a dele.
Daniel não conseguia explicar-se mais, porquanto a pressão policial era muita. O grito de DROGA suou plangente, e Daniel em vez de vender a alma à justiça dos homens, jogou de mãos a uma forquilha e espetando-a no peito disse a todos, que ia dar de beber ao irmão mais novo, ao Selmo que estava no céu há menos de seis meses, e que lhe pedira tanto aquele copo de água que ele nunca consegui dar.
Agora dar-lhe-ia uma gota de vida e juntos visionariam o mundo onde só os poderosos têm força e são agraciados.