As "corujas"
são mais criativas e as "cotovias" mais organizadas. Entre cérebros "artísticos"
e "pragmáticos" era essa a diferença imposta pelos ritmos de
actividade. Mas agora um estudo veio quebrar este equilíbrio com uma conclusão,
no mínimo, controversa: as pessoas que se deitam tarde têm tendência para ser
mais inteligentes do que as outras.
Dizer,
à luz das fábulas que nos habituámos a ouvir desde pequeninos, que as corujas são
mais inteligentes do que as cotovias não é coisa que nos cause estranheza. Mas
quando usamos estes equivalentes da fauna para caracterizar as pessoas
consoante os seus padrões de sono e picos de actividade, então a coisa fia mais
fino. Só que é exactamente o que defendem investigadores da London School of
Economics and Political Science: os que se deitam mais tarde, as "corujas",
são, tendencialmente, mais inteligentes do que os que acordam cedo, as "cotovias".
A
relação directa entre o QI (quociente de inteligência) e as horas a que somos
mais produtivos intelectualmente é ainda olhada com alguma reserva por muitos
especialistas. A neurologista Teresa Paiva, professora da Faculdade de Medicina
de Lisboa, não conhece em pormenor as conclusões do trabalho da equipa liderada
por Satoshi Kanazawa, mas, para já, deixa reticências quando instada a comentá-las.
Teresa
Paiva, reconhecida especialista do sono, destaca que há outras conclusões nesta
área que estão bem sedimentadas: "Que afecta a personalidade, sim, está demonstrado.
As pessoas mais activas de manhã tendem a ser mais organizadas, os noctívagos têm
uma inteligência mais imaginativa. E também não ficam dúvidas de que as horas
de sono influenciam o QI, porque um cérebro cansado tem pior desempenho."
Mas
o estudo da London School of Economics (LSE) não se debruçou sobre a quantidade
ou a qualidade do sono, antes sobre as horas a que as pessoas se sentem mais
activas a nível intelectual. Aparentemente, e a crer nas suas conclusões, os
que se levantam e deitam cedo são menos inteligentes do que aqueles que
prolongam a sua actividade pela noite. Satoshi Kanazawa fala mesmo de uma evolução
da espécie: citado pelo jornal Winnipeg Free Press, ele lembra que os humanos
ancestrais eram diurnos e que uma mudança progressiva para hábitos mais
nocturnos configura uma "preferência evolucionária" para seres mais
inteligentes, "com um nível mais elevado de complexidade cognitiva".
"Cotovias"
inteligentes
Ou
seja, a humanidade tenderia a ser cada vez mais nocturna, porque vai ficando
mais inteligente e é esse o ritmo natural dos mais dotados intelectualmente. Mas
esta conclusão é de longo prazo, até porque já foi demonstrado, nomeadamente em
trabalhos realizados na Universidade de Bolonha, que as pessoas tendem a ser
mentalmente mais "preguiçosas" de manhã entre os 17 e os 21 anos e
que depois esse padrão se altera com a idade. O que encaixa bem na ideia de que
os madrugadores são mais responsáveis.
É claro
que todas as regras terão excepções e a conclusão de que os mais noctívagos são
intelectualmente superiores ainda nem sequer ganhou foros de regra. Teresa
Paiva lembra, por exemplo, que Benjamin Franklin (um génio polivalente que se
destacou em áreas do conhecimento tão diversas como a política, a ciência ou a
literatura) era uma "cotovia". "Conheço cotovias muito
inteligentes", insiste, embora pessoalmente, e por ser "noctívaga",
as conclusões da LSE lhe possam soar simpáticas...
Quem
também se define como "mais coruja" é Prates Miguel, advogado e
presidente da Associação Portuguesa dos Amigos da Sesta. Mas também ele, e
apesar de se ver assim colocado do lado dos mais inteligentes, mostra algumas
reservas em aceitar as conclusões do estudo da LSE: "É ousado fazer uma
afirmação dessa natureza, até porque há questões físicas que influenciam os
padrões de sono e actividade..."
Lamentavelmente,
a importância da sesta não foi contemplada nestes estudos. Serão os praticantes
da sesta mais inteligentes do que os outros? Resposta diplomática à provocação:
"Não, nada disso!"
O
sono de beleza
"A
sesta é um sono depois do almoço, só faz sentido a essa hora. É um complemento,
não substitui o sono perdido. E não é para todos: há pessoas cujo biorritmo é incompatível
com o acto de dormir a meio do dia, não se dão bem", explica este advogado
de comunicação fácil e assumido "dorminhoco". "Chego a dormir 12
horas à noite, mais uma sesta de hora e meia..." E quem dorme bem tem "mais
agilidade mental contra o cansaço".
Se
dizer que as pessoas que se deitam e acordam mais tarde têm tendência para ser
mais inteligentes do que as madrugadoras pode provocar reacções mais vivas, já as
conclusões de outro estudo recente parecem vir apenas comprovar o que já todos
sabíamos empiricamente. O Instituto Karolinska, em Estocolmo, Suécia, decidiu
dar base científica à noção do "sono de beleza".
Voluntários
foram fotografados duas vezes, com o mesmo enquadramento, o mesmo fundo e a
mesma expressão - a primeira em condições normais e a segunda após 31 horas sem
dormir. Depois, pediu-se a voluntários não treinados que escolhessem, entre os
dois retratos, o mais agradável. Como seria de esperar, a foto inicial foi a
escolhida.
No
seu artigo, publicado no British Medical Journal, os investigadores constatam
que "as pessoas que não dormiram são vistas como menos atraentes, menos
saudáveis e mais cansadas".
Por
isso, para quem quiser equilibrar o brilhantismo intelectual com a beleza física,
a receita será deitar-se tarde, mas dormir as horas suficientes. Parece uma
regra à prova de bala, embora deixe de fora dois factores decisivos. Primeiro: os
ritmos de sono são fortemente influenciados por factores genéticos. Segundo:
"Somos governados pelos que se levantam cedo", garante Teresa Paiva.
Por Luís Francisco