segunda-feira, 13 de abril de 2009

O SACO AZUL

por Luísa Ramos

O saco azul continha uma lufada de ar fresco. Daniel passava com ele pela várzea, julgando que levava lá dentro milho para as mais de setenta galinhas pertença da capoeira de sua mãe, mas era falso. O que ele transportava era aquele pó branco, mortífero que o Dr. Sócrates, o médico da aldeia lhe pedira que levasse até ao alçapão da quinta.
Daniel transpôs a cerca eram precisamente 19 horas. A tarde era de um Agosto quente e o rapaz sentia-se em simbiose com a natureza: feliz, radiante talvez, por ter sido capaz de trazer até ali, aquele saco azul com tanta comida para muitos dias. Agora na sua capoeira - e por graça do senhor doutor - as aves não teriam mais fome, pensava extasiado! Entrou no alpendre fronteiriço à casa e percebeu que estava só, porque as janelas estavam encerradas e as duas portas de acesso ao interior tinham o ferrolho passado.
Semi preocupado, clamou pela mãe que não o atendeu, e com aquele terror próprio do receio foi devagar até ao sótão, pois urgia colocar lá o que trouxera de véspera da cidade grande. A entrada naquele quase labirinto foi feliz, porque como estava tudo limpo, à imagem da alma de sua mãe, rápida foi a abertura do saco; todavia o espanto de Daniel não poderia ter sido maior, quando constatou, que o milho estaria só nos seus sonhos e nos seus pensamentos de homem bucólico, ingénuo e simples, e que aquele senhor se atrevera a gozá-lo, ofertando-lhe farinha que, nenhuma falta já fazia, agora que os fritos de Natal já haviam passado.

Preocupado, Daniel tirava com jeito os sacos pequenos para não entornar o produto, quando foi surpreendido por uma voz forte, grossa, feroz «... larga bandido... polícia... estás detido.» A perplexão foi rainha e o terror tomou conta de si.
Desesperado gritava que não havia roubado a farinha, que havia sido um doutor, um senhor rico da aldeia a pedir-lhe que a fosse buscar à cidade grande, dizendo que depois fariam a distribuição pela sua casa e a dele.
Daniel não conseguia explicar-se mais, porquanto a pressão policial era muita. O grito de DROGA suou plangente, e Daniel em vez de vender a alma à justiça dos homens, jogou de mãos a uma forquilha e espetando-a no peito disse a todos, que ia dar de beber ao irmão mais novo, ao Selmo que estava no céu há menos de seis meses, e que lhe pedira tanto aquele copo de água que ele nunca consegui dar.
Agora dar-lhe-ia uma gota de vida e juntos visionariam o mundo onde só os poderosos têm força e são agraciados.

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