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sábado, 10 de agosto de 2019

Tenente Adriano Francisco Bomba, piloto da Força Aérea de Moçambique



Em 8 de Julho de 1981, o tenente Adriano Francisco Bomba, piloto da Força Aérea de Moçambique, a bordo de um avião MIG-17, penetrou no espaço aéreo da República da África do Sul, foi escoltado por caças sul-africanos Mirage até aterrar na Base Aérea de Hoedspruit, cerca de 320 quilómetros a nordeste de Pretória, onde solicitou autorização de residência. Dias depois o tenente Bomba concedeu uma conferência de imprensa na base da Força Aérea Sul-Africana de Hoedspruit, onde explicou as razões da sua atitude. 

Adriano Bomba foi um aluno brilhante na Escola Industrial, viveu no Bairro do Fomento, na Matola, e jogou futebol, como médio, no Sporting Clube de Lourenço Marques.




A sua fuga de Moçambique foi organizada pelo seu irmão Boaventura Bomba, ligado aos serviços secretos sul africanos e aos elementos da comunidade portuguesa na África do Sul que apoiavam a Renamo. Na África do Sul não foi tratado ou considerado como um prisioneiro de guerra, porque a África do Sul não estava em guerra com Moçambique, e foi-lhe concedido asilo político. O MIG 17, que não se encontrava nas melhores condições (um dos canhões estava inoperacional e os pneus estavam completamente degradados), foi devolvido a Moçambique.


O tenente Adriano Bomba a prestar declarações às autoridades sul-africanas


Os sul africanos pediram que os irmãos Bomba fossem integrados na Renamo e,  após muitas pressões. o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, inicialmente relutante, aceitou a integração.


Pilotos sul-aficanos em pose frente ao Mig-17 de Adriano Bomba


Boaventura Bomba, já com o cargo de Comissário Político da Renamo, acabou por ser executado num campo militar sul africano na Namíbia, em circunstâncias pouco esclarecidas;  segundo o Brigadeiro sul -africano Van Niekerk , Orlando Bomba foi acusado pelo assassinato de Orlando Cristina , secretário-geral da Renamo e foi levado para o Corredor de Caprivi (Namíbia), na altura ainda sob administração sul-africana, tendo sido submetido a julgamento militar e executado a bordo de um helicóptero, tendo o seu corpo sido lançado ao mar ao largo da costa namibiana.

Após a assinatura do Acordo de Romade 1992, Afonso Dhlakama declarou à comunicação social em Maputo que Adriano Bomba “havia morrido” sem adiantar mais pormenores. De acordo com membros da Renamo, Adriano Bomba terá morrido durante uma emboscada.

O que se segue é a transcrição dum extracto das respostas dadas por Adriano Bomba, depois publicadas pelo jornal sul africano “Panorama” e replicada por outros meios de comunicação da época.


Pergunta:
O facto de ter trazido consigo um avião MIG I7 representa um acto de guerra particular contra o sistema em Moçambique?

Resposta:
Utilizei o avião como simples meio de transporte, mais nada. Um meio de transporte mais eficaz. Sei que aquele avião não pode ser utilizado contra a Frelimo. Porquê? Porque sei que não sou o primeiro piloto que foge de um país num avião de guerra. Sei que depois disto tudo, o avião irá de volta. Isto já aconteceu com um piloto soviético que saiu da URSS num MIG-25, aterrou no Japão e depois seguiu para os Estados Unidos. Depois de ter sido estudado e todo desmontado, o MIG-25 foi reenviado para a União Soviética.

Pergunta:
Disse que se sentia mais útil a Moçambique fora do país, do que na situação em que ali se encontrava. Quer ser mais explícito sobre este aspecto?

Resposta:
Em Moçambique, quando estava a estudar, tinha em mente tirar um curso, o meu curso. A importância que vejo nele não é unicamente nacional, resulta da importância que esse curso ocupa no campo científico, e a ciência para mim não tem nacionalidade. Aquilo que eu pudesse fazer no campo da ciência poderia beneficiar Moçambique, pelo menos a longo prazo. O facto de não ter podido segui-lo demonstra que as pessoas em Moçambique não se desenvolvem. Porquê? Porque não têm o direito de optar. Quando um indivíduo opta, é muito mais dedicado à sua causa.

Pergunta:
Teria a sua deserção surpreendido os seus camaradas de armas de Moçambique?

Resposta:
Penso que os meus colegas, principalmente os da Força Aérea, não se admiraram daquilo que eu fiz, porque os nossos ideais convergem. Mas tomar a decisão que tomei é coisa que tem muito mais importância e é muito mais difícil. Este meu acto vai despertar muita gente; tenho consciência de que muitas mentalidades adormecidas vão despertar por causa deste meu acto.

Pergunta:
Com um acto de ousadia quase agressiva, modificou subitamente o curso de seu destino. Como antevê o desenrolar desse destino?

Resposta:
Os meus planos são aumentar os meus conhecimentos na África do Sul.

Pergunta:
Não receia que a sua família em Moçambique esteja agora em perigo?

Resposta:
Não penso que a minha família esteja em perigo. Porquê? Porque as autoridades moçambicanas não têm um argumento concreto. O que fiz foi uma decisão que tomei sozinho, que não partilhei com ninguém.

Pergunta:
Como é do conhecimento geral a República da África do Sul é alvo de propaganda muitas vezes falaciosa e muito agressiva acerca do sistema interno do país. Sendo negro, pede asilo político à África do Sul. Porquê?

Resposta:
Eu não vim para a África do Sul para me envolver nas suas actividades internas. Não estou para me intrometer nos assuntos internos da África do Sul.

Pergunta:
Não receia as atitudes raciais que provavelmente terá de enfrentar na África do Sul?

Resposta:
Quando vim para a África do Sul não sabia como é que se vivia aqui. O que sabia da África do Sul era aquilo que a propaganda anti-sul-africana dizia. Até fiquei admirado, depois de chegar à África do Sul, quando saí e vi a maneira como convivem os pretos e os brancos. A realidade entrava em choque com aquilo que a propaganda lá fora diz. É claro que eu não sei tudo acerca das relações sociais entre pretos e brancos aqui na África do Sul, porque pouco ainda vi. Mas o que já vi é a demonstração de que é mentira o que dizem lá fora.

Pergunta:
Considera-se um exilado político na África do Sul?

Resposta:
Eu pedi residência permanente na África do Sul.

Pergunta:
Faz parte de uma elite de homens bastante reduzida, é um piloto de caça-bombardeiro. Com a decisão de vir para a África do Sul nestas circunstâncias, não se ressentirá do facto de não voltar a pilotar o seu MIG-17?

Resposta:
Eu gosto da minha especialidade. Todo o piloto de caça-bombardeiro adora a sua especialidade. É algo que entra no sangue. Gostaria de continuar a voar na qualidade de piloto de caça-bombardeiro.

Pergunta:
Teve medo quando viu um Mirage ao pé do seu MIG-17 ?

Resposta:
Eu tinha visto o Mirage somente em fotografias e sabia que não era nenhum bicho do outro mundo. Quando vi os Mirages perto de mim, fiquei mais tranquilo, porque um Mirage perto de um MIG-17 é muito menos perigoso que um Mirage longe de um MIG-17.

Pergunta:
A sua saída de Moçambique, nas circunstâncias conhecidas, foi certamente um teste à sua capacidade de imaginação...

Resposta:
Eu preparei o voo. Quando vão voar, os pilotos têm de fazer um desenho da rota que vão seguir. Eu não ia, com certeza, desenhar uma rota com descolagem em Maputo e aterragem em Hoedspruít. O voo que desenhei era a rota normal para atingir o alvo a determinada hora e depois retomar a Maputo. Mas, claro, dentro do avião fiz outra rota, para sair, passar pelos pontos de mudança de rota e fazer a aterragem em Hoedspruít. Mas tudo isso foi só dentro da minha cabeça.

Pergunta:
Encontrando-se na República da África do Sul há cerca de dez dias, será tempo suficiente para poder avaliar se terá tomado uma decisão correcta?

Resposta:
Que tomei a decisão correcta, isso eu concluí ainda em Moçambique. Por tal razão vim para aqui. Agora não tenho dúvidas nenhumas.


Fontes e Bibliografia

Extensão trechos deste artigo foram publicados no livro "Africano MiGs", Publicações SHI, Viena (Áustria), 2004 (ISBN: 3-200-00088-0).
Excepto para pesquisas e materiais gentilmente cedidos pelo contribuinte no forum ACIG.org, especialmente ao Sr. Pit Weinert, as seguintes fontes de referência foram utilizados:
- "ABLAZE continente, as guerras em África Insurgency, 1960 to the Present", de John W. Turner, ISBN 1-85409-128-X, Imprensa da armadura e armas, 1998
- "GUERRAS AFRICANAS: ANGOLA E MOÇAMBIQUE 1961-1974" Osprey "homens de armas" Serie No.202, pela Abbott Pedro e Manuel Rodriguez, Osprey 1988, 1989, 1995.
- "GUERRAS AFRICANO MODERNA 3: WEST-ÁFRICA DO SUL" Osprey "homens de armas" Serie No.242, por Römer-Helmoed Heitman e Hannon Paulo, Osprey 1991.
- "O Mundo em conflito; guerra contemporânea, por John Laffin, Brassey, 1996 (ISBN: 1-85753-196-5)
- "Guerras aéreas e aeronaves; um registo detalhado de Combate Aéreo, 1945 to the Present", de Victor Flintham, Armas e Armour Press, 1989
- "Der flugzeuge NVA in Afrika", por Jürgen Roske, Fliegerrevue 6 / 92 (revista alemã), 1992