AS OSGAS EM PORTUGAL
O verão é sinónimo de Osgas! Os afortunados que puderem rumar um pouco mais a sul durante as férias, vão certamente encontrar pelo menos uma destas duas espécies a passearem-se pelas paredes das casas e jardins durante as noites quentes do Alentejo ou do Algarve. Com alguma sorte (como eu tive ontem à noite) poderão até encontrar as duas espécies a partilharem o mesmo espaço. Falemos pois de Osgas!
Em Portugal continental ocorrem duas espécies de
Osgas: a Osga-comum (Tarentola mauritanica) e a Osga-turca (Hemidacty lusturcicus). A primeira encontra-se por praticamente todo o país, enquanto a
segunda ocorre apenas pelas zonas mais a sul (principalmente Alentejo e
Algarve, mas podendo ser por vezes vistas por Lisboa e pelo vale do Tejo).
Embora parecidas no seu aspecto geral, há várias
diferenças que rapidamente permitem a sua distinção. A diferença que mais salta
à vista é o tamanho - a Osga-comum é consideravelmente maior e mais robusta que
a Osga-turca. As cores, embora ligeiramente variáveis, são também uma boa forma
de as distinguir. Enquanto a Osga-comum geralmente apresenta uma coloração que
varia de um bege acastanhado, a um castanho mais forte, com ou sem bandas mais
escuras no decorrer do dorso, a Osga-turca é mais rosada, com laivos de
amarelos e pontos castanhos aqui e acolá. Devido a terem uma pele composta por
escamas muito finas, em contra-luz é quase possível ver o interior das
Osgas-turcas, o que leva ao arrepio de muito gente e à ideia de serem quase
transparentes!
Outra
diferença bem visível é o tipo e arranjo das escamas. A Osga-comum têm uma
aparência que nos remete para a imagem de um dinossauro - espinhosa e com uma
armadura, enquanto que a Osga-turca apresenta escamas muito menos espinhosas e
marcadas. Olhando com mais atenção, as escamas dorsais da Osga-comum estão
organizadas numa matriz em bandas - numa base de escamas pequenas surgem
escamas de grandes dimensões, ovóides mas com uma quilha marcada no centro. Já
a Osga-turca apresenta escamas mais arredondadas, com uma quilha muito menos
marcada. As escamas desta última também não se apresentam tão organizadas em
bandas, o que leva a que o animal tenha um aspecto muito menos
"espinhoso"!
Uma última diferença visível a olho nú é a presença
de garras nos dedos. Os dedos da Osga-comum, no geral mais espalmados e
arredondados, apenas apresentam garras em dois dedos, enquanto que se olharmos
para os dedos das Osga-turcas, todos os dedos apresentam uma garra.
Mas saltando das diferenças para as semelhanças, há
duas características partilhadas por estas duas espécies - a sua utilidade ao
ser humano e a injusta má fama que têm! As Osgas são animais que se alimentam
principalmente de insectos e outros invertebrados - como moscas, mosquitos ou
aranhas. Uma Osga na parede da nossa casa funciona como um autentico
insecticida natural - evitando as noites mal dormidas pelo incomodativo e
irritante 'zzzzzzz' das melgas nos nossos ouvidos, ou a comichão das babas
causadas pela picada dos mosquitos.
Apesar deste serviço gratuito, o ser humano, na sua
habitual ingratidão para com o mundo natural, decidiu inventar vários boatos,
histórias e conspirações que pintam este inocentes e úteis animais como perigosos
monstros. Embora os detalhes variem dependendo de que as conta (quem conta um
conto... acrescenta um ponto!), todas estas histórias andam à volta do tema de
um suposto veneno ou de serem causadoras de doenças de pele.
Sobre o veneno,
conta-se que 'um dia' uma osga terá caído no leite/café/chá/sopa de alguém 'lá
da terra/vila/aldeia'. Assegura quem conta, que as incautas vítimas, não se
apercebendo da presença da osga, beberam o dito caldo, adoecendo gravemente
(ou, dependendo do grau de exagero - morreram!). A outra história envolve o
contacto directo ou indirecto da osga com a pele do afligido. Conta-se neste
caso, que fulano dormia de tronco nú (nunca fulana, que fulanas não dormem cá
nesses despreparos) e lhe caíu uma Osga em cima enquanto dormia. Rapidamente se
formaria na pele do pobre desgraçado um 'cobro' - uma mítica doença de pele de
muito má fama, e que, dizem, causa grandes males, podendo até conduzir à morte.
A outra história de infecção por cobro, afirma que alguém, e neste caso uma
senhora, vestiu algo por onde tinha passado uma osga, apanhando também o
temível cobro.
Como todos os mitos urbanos e historietas do
folclore, toda a gente já os ouviu, e toda a gente assegura que conheceu alguém
que conheceu alguém a que tal aconteceu. Mas nunca aconteceu ao próprio, nem a
ninguém que a pessoa conheça directamente. Em boa verdade, não há qualquer razão
para que isto acontecesse. As Osgas não possuem qualquer tipo de veneno nem
transmitem absolutamente nenhuma doença de pele. São da grande diversidade de
animais deste planeta, uns dos mais inofensivos para os seres humanos!
Mas de onde surgem então estes mitos e porque são tão
prevalentes em Portugal? A resposta, podendo parecer meio inusitada, é bastante
simples: são uma herança cultural árabe. Tal como em muitas outras partes da
nossa cultura - da gastronomia à arquitectura, aos hábitos e à língua - a
presença Árabe na Península Ibérica deixou marcas profundas e que definiram (e
ainda definem) o nosso modo de vida. No que toca aos mitos das Osgas, é de
notar que as mesmas histórias que contei acima, são contadas por todo o mundo
Árabe, e que no Corão, o Diabo aparece a Maomé sob a forma de Osga. A jeito de
confirmação desta teoria, basta ver que o diz o Dicionário dos Arabismos na
língua Portuguesa, publicada há algumas décadas pela Academia de Ciências de
Lisboa - o próprio nome 'Osga' é um Arabismo, uma adaptação da palavra
'Wazzagah', usada no árabe para estes animais.
Assim sendo, quando nos próximos dias virem estes
animais nas vossas paredes, apreciem-nos sem medo. Estão perante uma maravilha
da natureza!
Luis Ceríaco, Julho de 2022, algures entre o Alentejo e
o Algarve